sábado, 20 de novembro de 2010

- O refrão feliz.

          A vida de Gabriel sempre fora monótona. Trabalhava há anos em um circo do interior, onde as pessoas eram acostumadas com pouca coisa. Gabriel trabalhava de segunda a segunda, tentando arrancar sorrisos daquela pouca gente. Crianças que mal sabiam o que era diversão, adultos que não pareciam ter sido muito bem tratados durante a infância; ele sempre sentiu muito por não poder ajudar aquelas pobres famílias, já que viera de uma família um tanto quanto nobre. Gabriel sentia orgulho de sua profissão, que exercia com tanto gosto; em suas apresentações no circo, sempre procurava inspiração para subir ao palco com sua roupa arco-íris, sempre procurava algo que lhe desse forças para mais um dia de trabalho. No fim do dia, ele sempre voltava àquele pequeno espaço que lhe servia de quarto e agradecia.
          Em uma noite chuvosa, Gabriel se preparava para subir ao palco: seus companheiros lhe diziam que poucas pessoas tinham ido assistir ao espetáculo, mas nada fazia com que ele desistisse; sentia que algo estava para acontecer. Quando estava no meio de sua apresentação, avistou na platéia alguém que lhe chamou a atenção, alguém que nunca vira antes, alguém preto e branco, “-Tão preto e branco”, pensou ele. Era um mímico. Gabriel ficou encantado, pois jamais vira alguém com uma arte tão grandiosa apenas em preto e branco. Após a apresentação, resolveu que falaria com o tal homem: e foi. O homem se chamava Bruno, tinha 25 anos, um jovem em busca do seu sonho. Bruno fez aquele velho palhaço, que beirava os 50, lembrar de como fora lá no inicio. Gabriel então decidiu que sairia já daquele circo e seria mímico, já que, para ele, isso parecia ter muito mais êxito. Trocou rapidamente de roupa, vestiu um casaco preto, uma calça social preta, pôs um chapéu e saiu pelas ruas sem rumo algum: ele só queria ser mímico já que sua vida era curta, muito mais curta do que quando entrou para o circo.
          Ele acabou dormindo no banco de uma praça qualquer; acordou com um pouco de frio e, de repente, já não estava mais naquela pequena cidade. Gabriel se viu em uma grande cidade - muito iluminada e com pessoas muito bem vestidas -, pulou daquele banco e se sentiu leve, muito leve. Procurou um espelho: ele precisava ver o que tinha acontecido consigo, pois se sentia jovem. Parou em frente a uma vidraçaria e viu seu rosto pintado de preto e branco. Viu também que já não vestia a roupa simples da noite passada: ele agora era um mímico. Gabriel tentava falar com algumas pessoas, mas ninguém lhe respondia. Chegou a pensar que era por sua roupa e sua nova profissão, até que chegou a um velhinho que estava sentado em um banquinho da praça onde passara a noite, e puxou assunto com o velhinho, que não lhe respondia. Resolveu então que iria embora, sairia caminhando sem rumo novamente. Ele ia se levantando do banco quando o velhinho resolveu falar: “Meu filho, sabes que o que fizeste foi errado, não sabes? Mas sei que tens um bom coração, quero que tudo o que aconteceu aqui tenha sido como uma lição da escola. Agora vai e faz o bem!”. Gabriel assentiu e entrou numa rua deserta, onde caminhou até o fim e viu o circo onde trabalhou sua vida inteira. Viu também seus amigos chorando a sua falta. Saiu correndo, entrou no camarim, avisou o apresentador que era para anunciá-lo, pintou o seu rosto das sete cores do arco-íris e finalmente foi chamado: “Respeitável público, eu vos apresento o palhaço Gabriel!”
          O palhaço jamais sentira tanta alegria, e uma certeza ele tinha na cabeça: “Mesmo que haja cinco, dez, quinze pessoas nesta platéia, são essas as únicas pessoas que quero ver sorrir com a minha arte colorida!”

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